terça-feira, 20 de setembro de 2011

Joelho Ralado

Quinta-feira passada eu ralei o joelho.
Desde o começo das aulas eu não tinha mais tempo de ir à academia, então cancelei minha matrícula, já que era desperdício de dinheiro. Mas sentia falta de me exercitar.
Como na minha universidade não tem aula na semana inteira do Dia da Independência, resolvi que ia aproveitar a oportunidade para correr um pouco numa pracinha que fica perto do meu prédio.
Lá fui eu. Caminhei até lá e, quando cheguei, comecei a correr. Dei uma volta completa, devia ter mais ou menos um quilômetro, e já sentia o cansaço começando a incomodar. Realmente fazia tempo que estava fora de forma. Comecei a segunda volta sem desacelerar. Uma mulher passou por mim, correndo na mesma direção, mas muito mais rápido. Coxas grossas, musculosas, exibidas por baixo de um shorts de corrida curtíssimo. Magra, musculosa, jovem, pele bronzeada, cabelo sedoso.
Puta que pariu. Devia ser proibido que as pessoas tivessem corpos tão perfeitos. Parecia que ela só estava querendo fazer fusquinha para mim e para as velhinhas que caminhavam rebolando em volta da praça em suas leggins coloridas e pochetes.
Mal tinha ela passado por mim, quando, distraída, tropecei numa tampa de bueiro e estatelei-me no chão. Ela me ouviu praguejar ao vento e num instante fez meia volta e me ajudou a levantar. Gentil. Mas que merda. Se ela fosse pelo menos rude, talvez eu me sentisse melhor pensando que havia pelo menos alguma forma bizarra de equilíbrio na natureza. Tendo visto que eu estava bem, voltou a correr.
Meus joelhos e minhas mãos ardiam. Chequei o estado da calça, mas ela estava intacta. Os arranhões nas palmas das mãos também eram leves, então achei que podia continuar. Levantei-me e comecei uma caminhada rápida, até que senti os joelhos grudando no interior da calça. Sentei-me num tronco de árvore para examiná-los e.. surpresa! Cada um era uma rodela ensanguentada. Como feri tanto os joelhos sem estragar a calça eu não fazia ideia. Dobrei a malha da barra até as coxas e fui caminhando de volta para casa.
Vários velhinhos e velhinhas no caminho pararam e me perguntaram o que havia acontecido com tanta solicitude que pensei que talvez valesse a pena ralar meus joelhos mais frequentemente. Davam conselhos de curativos caseiros a base de folha de bananeira, linhaça e afins. Uma gracinha. Parei numa pia indicada por um deles. Contou-me que os donos da casa haviam instalado a pia pensando na sede dos cachorros que eram levados para passear na praça. Lavei os joelhos e prossegui.
Caminhando pela avenida movimentada, podia ver os risos sádicos, mas contidos, de alguns motoristas, que se viravam dentro de seus carros encarando meus joelhos em carne viva. Alguns risos nem tão contidos assim. Já na minha rua, um rapaz que nunca havia visto antes estava, em seu uniforme cinza, a lavar a calçada do prédio vizinho ao meu. Desligou a mangueira e disse enquanto eu passava: "Ô, meu anjo, caiu, foi?"
Sem saber se respondia ou não ou se mostrava o dedo do meio, levantei o polegar e prossegui fazendo questão de não olhar para ele, a cara um pouco emburrada, mas gargalhando por dentro. Mas que fim de carreira! Isso valia tanto para ele quanto para mim.
Cheguei em casa e pouco depois chegou meu irmão também. Ele foi um dos que riram do meu joelho.
"Não é engraçado." Eu disse.
"Ah, é um pouco, sim." Retrucou. Fiz cara feia e voltei a remoer os contrastes daquela manhã.
O que se deve pensar quando isso acontece justo no dia em que você decidiu levantar cedo? Justo no dia em que você decidiu entrar em forma? Justo num feriado, sem que você tivesse qualquer compromisso com ninguém além de você mesmo? Sem dúvida, parecia um sinal divino de que eu sempre estivera certa: Não faça amanhã o que se pode fazer depois de amanhã. Não acorde cedo se não for estritamente necessário. Se puder, nem mesmo acorde. Exercício? Tem formas mais legais de produzir endorfina, tipo comendo chocolate.
Não era a lei de Murphy, não sei nem se era exatamente azar. Mas era definitivamente irônico. Então fiz disso meu espelho, como de praxe.

(14/09/2011)

domingo, 4 de setembro de 2011

Todos Sabem como É

Todos sabem como é cantar alto achando que não há ninguém ouvindo. Ou falar com o espelho ou dançar vergonhosamente achando que não há ninguém vendo.
Todos sabem como é colocar aquilo de maior valor a perder por pequenos atos negligentes acumulados. E então olhar para trás com arrependimento, mas ainda pensando "Se eu bem me conheço, mesmo que tivesse percebido a burrada que estava fazendo, não teria tido a coragem de tentar evitar o ocorrido.".
Todos sabem como é tentar lembrar o que significa estar em casa enquanto se está numa roda de amigos sem conseguir interagir com eles por estar debilmente tentando esquecer como era se apaixonar.
Todos sabem como é ter medo de sentir.
Todos sabem como é dizer que se sente bem, querendo na verdade dizer o contrário. E todos sabem também que alívio é quando um amigo consegue ver as lágrimas que não derramamos.
Todos sabem como é ter medo da solidão.
Todos sabem como é querer assumir responsabilidade por tudo, sem admitir que não conseguimos dar conta, sem admitir que não somos onipotentes.
Todos sabem como é assumir a culpa por algo sem nem acreditar que a culpa seja de fato sua.
Todos sabem como é bom silêncio de vez em quando. E como é bom um abraço quando se quer silêncio.
Todos sabem como é não poder ser otimistas e honestos ao mesmo tempo.
Todos sabemos como é isso tudo, não sabemos? Sabemos, não sabemos? Não sabemos? Não...?