terça-feira, 22 de novembro de 2011

Trecho - A Insustentável Leveza do Ser

Primeira parte - 16

"Ao contrário de Parmênides, Beethoven considerava o peso como algo de positivo. "Der schwer gefasste Entschluss", a decisão gravemente pesada está associada à voz do Destino ("Es muss sein!"); o peso, a necessidade e o valor são três noções íntima e profundamente ligadas: só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa.
Essa convicção nasce da música de Beethoven, se bem que seja possível (ou talvez provável) que ela seja mais da responsabilidade dos exegetas de Beethoven do que do próprio compositor; todos nós a compartilhamos de certa forma hoje em dia: para nós, o que faz a grandeza de um homem é ele carregar seu destino como Atlas carregava sobre os ombros a abóboda celeste. O herói de Beethoven é um halterofilista que levanta pesos metafísicos.
(...)
Em trabalhos práticos de física, qualquer aluno pode fazer experimentos para verificar a exatidão de uma hipótese científica. Mas o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento."

(Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Espera

Naquela maldita oração me fadei à espera.
Pedi que não tivesse mais meu coração partido,
mas que sentisse ainda uma última vez.
A última vez.
Duvidei que tivesse meu pedido atendido,
Talvez temesse que fosse.
Mas foi.
Foi com a urgência do meu medo.
Me tranquei neste cronômetro
contando o tempo de espera
com a unidade dos homens
em vez de Kairos.
Ainda não sei se tenho os sonhos
ou se os sonhos me têm.
Ainda não sei se o alcácer era resistente demais
ou se o amor era intenso de menos.

Querido Amigo, II

Amigo,

Lembra do dia em que eu fiz uma lista das coisas que se podia saber sobre você só de olhar as suas comunidades do orkut? Aquilo rendeu uma longa conversa por msn... e por algum motivo eu resolvi salvar no bloco de notas.
Hoje eu estava "limpando" meu computador, deletando alguns arquivos agora inúteis, quando encontrei aquela conversa. Não me contive e reli tudo. Vinte e duas páginas de conversa. E nem deve ter sido a mais longa se contarmos as mais velhas.
Reclamamos muito da chuva, falamos de shows, histórias em quadrinhos, formatura, TCC e de nossos "lados negros". Preciso admitir que me emocionei lendo aquilo. Desta vez, bem como da primeira.
Foi como olhar no espelho pela primeira vez depois de muito, muito tempo. Me vi na suas palavras, nas minhas palavras sobre você e de novo nas suas palavras sobre mim. Nem tudo era o que esperava ver, é verdade, mas era tudo bastante preciso.
Já não tinha dúvidas disso, tanto que já disse muitas vezes em outras palavras. Você me viu. Além disso, você foi meu espelho.
Como podia alguém ver tantas coisas que eu me matava para não mostrar? Estava tudo ali, na ponta dos seus dedos.
Sabe, já disse isso antes também, mas é um grande alívio quando um amigo vê o que não mostramos. Agora na sua ausência, preciso procurar me refletir em um outro alguém. Caso contrário, temo esquecer com que se parece meu próprio rosto.

Saudades suas
Aninha

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Muito

O pouco que sinto que me toca passa batido.
E cadê todo aquele sentido
naquele som repetitivo?

E, do pouco que toco, sobra pouco para trás.
E o pouco que sinto cai com um baque no chão.
O pouco que faço, quanto tempo faz?
Por acreditarem que quem pensa e reza pensa em vão?

Do pouco que faço, faço uma oração
pelas dúvidas que brotam, frenéticas.
Todo barulho que ouço em cada sermão
incentiva a angústia que calo, cética.

O pouco que me toca, porém, é tenaz
como minha própria voz numa multidão.
O muito que sinto pouco tempo faz
por não acreditar que quem pensa e reza reze em vão.

Retiro a mim mesma, quase calada,
mas não hei de retirar o que digo:
Naquelas longas madrugadas
sei Quem esteve comigo.