quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Parêntese

Um parêntese de irrealidade em meio ao caos. É essa a impressão que tive. As únicas provas que tenho de que realmente aconteceu são alguns hematomas e um vestido. E os hematomas infelizmente hão de passar logo.
Vou fazer uma lista dos nomes daqueles que conheci por uma semana como se tivesse sido por uma vida inteira. E vou esquecê-los um por um.
Não me leve a mal. É que só conheço dois jeitos de não me magoar: Não me permitir ou não me importar. E, como não consigo não me importar, decidi não me permitir, até que não consegui mais. Então resolvi procurar um terceiro jeito: esquecer.
É, no entanto, triste e injusto, reconheço. Foram, afinal, minhas melhores estupidezes. Se eu falhar em esquecer, vou ter de aprender a lidar com essas lembranças doce-amargas, apreciando-as, mas sem desejá-las de volta.
Como as palavras entre parênteses, que são dispensáveis embora atribuam novos significados ao texto, essas memórias, apesar de prazerosas, são sofridas e dificultam o entendimento da história como um todo. Por isso, esquecer é mais fácil e dói menos, mesmo que tenham sido meus mais bem cometidos erros, e mesmo que isso impeça que eu me arrependa.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Menino, Homem, Rei, Deus

"Todo o menino quer ser homem. Todo o homem quer ser rei. Todo o rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino."
(Leonardo Boff)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Do que posso falar

Não posso falar do tempo porque vivi pouco.
Não posso falar sobre lugares, porque não conheço muitos.
Não posso falar de dinheiro porque não ganho o meu próprio.
Não posso falar de literatura, de história nem de eletrônicos porque não sei muito dessas coisas.
Não posso falar de política porque... Bom, na verdade, só porque a minha única opinião sólida é que nem sempre vale a pena ter uma opinião formada.

Eu poderia falar das minhas opiniões.
Eu poderia falar de mim,
como estou fazendo agora,
mas você provavelmente não estaria interessado.

Eu poderia falar de música, mas não espere muita coisa.
Eu poderia falar um pouco sobre lírios africanos
ou sobre evolução estelar
e o que significa quando dizem que somos apenas poeira de supernovas.
Eu poderia falar de medos e motivações inconscientes.
Eu poderia falar de companhia e solidão ou de leveza e peso.
Temo que às vezes pareça que não tenho do que lhe falar,
mas a verdade mesmo é que prefiro falar de você.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Querido Papai Noel,

Olha só.
Toda vez que eu peço um presente bacana o senhor não me dá. Não entremos no mérito de eu realmente merecê-los ou não, ok?
Dessa vez vou pedir uma coisa bastante simples. É, aliás, algo a que todo mundo já deveria ter direito.
Dessa vez eu peço de Natal a Verdade.
Ah, não me olha com essa cara. Por que a Verdade? Ora essa... Se já é difícil saber a verdade sobre as minhas próprias intenções, imagine quando se trata das intenções dos outros! Como podem esperar que eu tome minhas decisões, siga minha vida, sem saber sobre o que estou pisando?
Eu sei que a Verdade não anda fácil de se encontrar, eu mesma já procurei. Mas o senhor pode usar o seu exército de escravos, digo, elfos, digo, duendes, daí vai demorar menos. Que tal?
A gente se vê dia 25!
Abraz

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Trecho - A Insustentável Leveza do Ser

Primeira parte - 16

"Ao contrário de Parmênides, Beethoven considerava o peso como algo de positivo. "Der schwer gefasste Entschluss", a decisão gravemente pesada está associada à voz do Destino ("Es muss sein!"); o peso, a necessidade e o valor são três noções íntima e profundamente ligadas: só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa.
Essa convicção nasce da música de Beethoven, se bem que seja possível (ou talvez provável) que ela seja mais da responsabilidade dos exegetas de Beethoven do que do próprio compositor; todos nós a compartilhamos de certa forma hoje em dia: para nós, o que faz a grandeza de um homem é ele carregar seu destino como Atlas carregava sobre os ombros a abóboda celeste. O herói de Beethoven é um halterofilista que levanta pesos metafísicos.
(...)
Em trabalhos práticos de física, qualquer aluno pode fazer experimentos para verificar a exatidão de uma hipótese científica. Mas o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento."

(Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Espera

Naquela maldita oração me fadei à espera.
Pedi que não tivesse mais meu coração partido,
mas que sentisse ainda uma última vez.
A última vez.
Duvidei que tivesse meu pedido atendido,
Talvez temesse que fosse.
Mas foi.
Foi com a urgência do meu medo.
Me tranquei neste cronômetro
contando o tempo de espera
com a unidade dos homens
em vez de Kairos.
Ainda não sei se tenho os sonhos
ou se os sonhos me têm.
Ainda não sei se o alcácer era resistente demais
ou se o amor era intenso de menos.

Querido Amigo, II

Amigo,

Lembra do dia em que eu fiz uma lista das coisas que se podia saber sobre você só de olhar as suas comunidades do orkut? Aquilo rendeu uma longa conversa por msn... e por algum motivo eu resolvi salvar no bloco de notas.
Hoje eu estava "limpando" meu computador, deletando alguns arquivos agora inúteis, quando encontrei aquela conversa. Não me contive e reli tudo. Vinte e duas páginas de conversa. E nem deve ter sido a mais longa se contarmos as mais velhas.
Reclamamos muito da chuva, falamos de shows, histórias em quadrinhos, formatura, TCC e de nossos "lados negros". Preciso admitir que me emocionei lendo aquilo. Desta vez, bem como da primeira.
Foi como olhar no espelho pela primeira vez depois de muito, muito tempo. Me vi na suas palavras, nas minhas palavras sobre você e de novo nas suas palavras sobre mim. Nem tudo era o que esperava ver, é verdade, mas era tudo bastante preciso.
Já não tinha dúvidas disso, tanto que já disse muitas vezes em outras palavras. Você me viu. Além disso, você foi meu espelho.
Como podia alguém ver tantas coisas que eu me matava para não mostrar? Estava tudo ali, na ponta dos seus dedos.
Sabe, já disse isso antes também, mas é um grande alívio quando um amigo vê o que não mostramos. Agora na sua ausência, preciso procurar me refletir em um outro alguém. Caso contrário, temo esquecer com que se parece meu próprio rosto.

Saudades suas
Aninha

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Muito

O pouco que sinto que me toca passa batido.
E cadê todo aquele sentido
naquele som repetitivo?

E, do pouco que toco, sobra pouco para trás.
E o pouco que sinto cai com um baque no chão.
O pouco que faço, quanto tempo faz?
Por acreditarem que quem pensa e reza pensa em vão?

Do pouco que faço, faço uma oração
pelas dúvidas que brotam, frenéticas.
Todo barulho que ouço em cada sermão
incentiva a angústia que calo, cética.

O pouco que me toca, porém, é tenaz
como minha própria voz numa multidão.
O muito que sinto pouco tempo faz
por não acreditar que quem pensa e reza reze em vão.

Retiro a mim mesma, quase calada,
mas não hei de retirar o que digo:
Naquelas longas madrugadas
sei Quem esteve comigo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Querido Amigo,

Amigo,

Já lhe contei algumas mentiras.
Talvez a segunda maior delas tenha sido dizer que meu maior medo era, em outras palavras, a atonia frente ao desespero. É claro que isso era mentira. Meu maior medo é, desde que me entendo por gente, a solidão.
Não sei se você se importa, mas tive vontade de lhe contar que hoje experimentei dela. Também não posso lhe dizer com sinceridade que não a quis, pois acho que, sem perceber, a busquei. Será que deixar de ir atrás das pessoas é o mesmo que fugir delas? Porque foi isso que fiz. Foi isso o que aconteceu de ambas as partes. E não, desta vez não me refiro a você, embora ironicamente pudesse.
Talvez eu seja só dramática e precipitada em minhas conclusões, achando que tudo seja sinal de que minha presença incomoda. Acho que minha maior vontade hoje é que alguém me afirme o contrário.
Sabe, agora, aqui sozinha, percebo que "assustadora" não é nem de longe a melhor palavra para descrever a solidão. Não estou com medo agora. No entanto, ainda me faz sentido temer a solidão, como ainda a temo,  já que, mesmo não sendo assustadora, ela é desagradável. E faz sentido ter medo da dor.
Me prometa que, onde estiver, você não sentirá dor.


Saudades suas
Aninha

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Querido Leitor Anônimo, mais uma vez

Por que insistir?
Porque você acreditou na minha força quando tudo o que eu via em mim era fragilidade.
Você me trouxe um conforto ao ver o que eu não mostrava,
ao prestar atenção  nos detalhes.
O que eu nunca disse é que eu também prestei atenção
e acredito ter visto você.
Eu vi você.
Peço desculpas por não ter deixado que você soubesse o quanto vi.
Privei você de um conforto que só você soube me proporcionar até hoje.
Agora já é mais do que tarde demais pra dizer essas coisas,
e espero que você saiba que sei disso.
Mas algo em mim ainda tem fé,
fé de que você estivesse mais certo do que eu teria gostado de admitir.
E, se você estivesse certo todas as vezes que disse que éramos parecidos,
você ainda se importa.
Do mesmo modo que deve ter se importado antes,
mas eu, boba, não admiti.
Você deve saber a que me refiro,
já que não é nada absurdo:
É só a sua amizade,
e a ausência dela, que me incomoda.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Escolhas, Valores e Bom Senso

Não raramente, me pergunto porque e como as pessoas se escolhem. Além disso, o que lhes faz escolher uma pessoa e não outra.
É fácil recorrer ao pensamento simplista de que algumas pessoas valem mais. Que umas são areia demais para os caminhõezinhos de outras. Mas isso quereria dizer, indiretamente ou não, que a relação teria duas faces diamentralmente opostas: de um lado, um deveria se sentir não apenas honrado pela companhia do outro, mas, de certo modo, até tolerado; do outro, caridade. Só que não é assim que se constroem relações equilibradas.
Pimeiramente, porque as pessoas não podem ser simplesmente plotadas num gráfico de amabilidade. Somos constituídos por mais de uma grandeza, e felizmente vai do gosto de quem aprecia valorizar mais uma grandeza ou outra.
Em segundo, quem seríamos nós para fazer tal julgamento de valor? Não podemos nem mesmo afirmar com convicção e humildade simultaneamente que algumas pessoas são mais ou menos bondosas que outras!
E, por último, tampouco podemos dizer se a natureza distribui homogeneamente seus talentos entre suas criaturas. Tem gente que é mais bonita, tem gente que é mais inteligente, tem gente que tem maior coordenação motora etc, e negar isso é escapismo, bem como crer que, se para um falta beleza, esta lhe é compensada por maior inteligência. Tem gente que é bonita, inteligente, simpática e limpinha ao mesmo tempo. Fazer o quê? 
Não adianta querermos nos comparar aos outros. Nos responsabilizemos apenas por aquilo que estiver ao nosso alcance. Já é mais do que consigo dar conta.
Enquanto isso, o que tenho a dizer em minha defesa? Apenas que sou uma obra eternamente incompleta. E, acima de tudo, que estou viva. Mais viva do aqueles que se proíbem de sentir.
Ainda que me sinta tentada a dar justificativas para os valores que temo não ter, percebo que isso não deixa de ser uma forma de julgar, mesmo que inconscientemente, os valores alheios. Então procuro me conter. Afinal, se bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo, isso significa também que eu mesma não peço por mais, embora possa haver quem diga que necessito.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Obra Incompleta

Não é de se estranhar que nos sintamos atirados na maturidade e privados dela logo em seguida, repetidamente. Isso também faz com que não nos sintamos no direito de pedir ajuda, o que nos tranca numa espiral de cada vez mais baixa auto-estima.
A possibilidade de termos consciência de que se trata de baixa auto-estima, no entanto, indica que, na verdade, sabemos que valemos mais do que nos fazemos valer, mas tememos ter orgulho de nós mesmos e, portanto, evitamos demostrá-lo.
Nos resta como conforto o argumento de que podemos - e devemos - sempre nos considerar uma obra incompleta. Isso quer dizer, dentre outras coisas, que embora miremos na perfeição, não devemos cobrá-la de nós mesmos, afinal, só obras incompletas se permitem aprimorar.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Joelho Ralado

Quinta-feira passada eu ralei o joelho.
Desde o começo das aulas eu não tinha mais tempo de ir à academia, então cancelei minha matrícula, já que era desperdício de dinheiro. Mas sentia falta de me exercitar.
Como na minha universidade não tem aula na semana inteira do Dia da Independência, resolvi que ia aproveitar a oportunidade para correr um pouco numa pracinha que fica perto do meu prédio.
Lá fui eu. Caminhei até lá e, quando cheguei, comecei a correr. Dei uma volta completa, devia ter mais ou menos um quilômetro, e já sentia o cansaço começando a incomodar. Realmente fazia tempo que estava fora de forma. Comecei a segunda volta sem desacelerar. Uma mulher passou por mim, correndo na mesma direção, mas muito mais rápido. Coxas grossas, musculosas, exibidas por baixo de um shorts de corrida curtíssimo. Magra, musculosa, jovem, pele bronzeada, cabelo sedoso.
Puta que pariu. Devia ser proibido que as pessoas tivessem corpos tão perfeitos. Parecia que ela só estava querendo fazer fusquinha para mim e para as velhinhas que caminhavam rebolando em volta da praça em suas leggins coloridas e pochetes.
Mal tinha ela passado por mim, quando, distraída, tropecei numa tampa de bueiro e estatelei-me no chão. Ela me ouviu praguejar ao vento e num instante fez meia volta e me ajudou a levantar. Gentil. Mas que merda. Se ela fosse pelo menos rude, talvez eu me sentisse melhor pensando que havia pelo menos alguma forma bizarra de equilíbrio na natureza. Tendo visto que eu estava bem, voltou a correr.
Meus joelhos e minhas mãos ardiam. Chequei o estado da calça, mas ela estava intacta. Os arranhões nas palmas das mãos também eram leves, então achei que podia continuar. Levantei-me e comecei uma caminhada rápida, até que senti os joelhos grudando no interior da calça. Sentei-me num tronco de árvore para examiná-los e.. surpresa! Cada um era uma rodela ensanguentada. Como feri tanto os joelhos sem estragar a calça eu não fazia ideia. Dobrei a malha da barra até as coxas e fui caminhando de volta para casa.
Vários velhinhos e velhinhas no caminho pararam e me perguntaram o que havia acontecido com tanta solicitude que pensei que talvez valesse a pena ralar meus joelhos mais frequentemente. Davam conselhos de curativos caseiros a base de folha de bananeira, linhaça e afins. Uma gracinha. Parei numa pia indicada por um deles. Contou-me que os donos da casa haviam instalado a pia pensando na sede dos cachorros que eram levados para passear na praça. Lavei os joelhos e prossegui.
Caminhando pela avenida movimentada, podia ver os risos sádicos, mas contidos, de alguns motoristas, que se viravam dentro de seus carros encarando meus joelhos em carne viva. Alguns risos nem tão contidos assim. Já na minha rua, um rapaz que nunca havia visto antes estava, em seu uniforme cinza, a lavar a calçada do prédio vizinho ao meu. Desligou a mangueira e disse enquanto eu passava: "Ô, meu anjo, caiu, foi?"
Sem saber se respondia ou não ou se mostrava o dedo do meio, levantei o polegar e prossegui fazendo questão de não olhar para ele, a cara um pouco emburrada, mas gargalhando por dentro. Mas que fim de carreira! Isso valia tanto para ele quanto para mim.
Cheguei em casa e pouco depois chegou meu irmão também. Ele foi um dos que riram do meu joelho.
"Não é engraçado." Eu disse.
"Ah, é um pouco, sim." Retrucou. Fiz cara feia e voltei a remoer os contrastes daquela manhã.
O que se deve pensar quando isso acontece justo no dia em que você decidiu levantar cedo? Justo no dia em que você decidiu entrar em forma? Justo num feriado, sem que você tivesse qualquer compromisso com ninguém além de você mesmo? Sem dúvida, parecia um sinal divino de que eu sempre estivera certa: Não faça amanhã o que se pode fazer depois de amanhã. Não acorde cedo se não for estritamente necessário. Se puder, nem mesmo acorde. Exercício? Tem formas mais legais de produzir endorfina, tipo comendo chocolate.
Não era a lei de Murphy, não sei nem se era exatamente azar. Mas era definitivamente irônico. Então fiz disso meu espelho, como de praxe.

(14/09/2011)

domingo, 4 de setembro de 2011

Todos Sabem como É

Todos sabem como é cantar alto achando que não há ninguém ouvindo. Ou falar com o espelho ou dançar vergonhosamente achando que não há ninguém vendo.
Todos sabem como é colocar aquilo de maior valor a perder por pequenos atos negligentes acumulados. E então olhar para trás com arrependimento, mas ainda pensando "Se eu bem me conheço, mesmo que tivesse percebido a burrada que estava fazendo, não teria tido a coragem de tentar evitar o ocorrido.".
Todos sabem como é tentar lembrar o que significa estar em casa enquanto se está numa roda de amigos sem conseguir interagir com eles por estar debilmente tentando esquecer como era se apaixonar.
Todos sabem como é ter medo de sentir.
Todos sabem como é dizer que se sente bem, querendo na verdade dizer o contrário. E todos sabem também que alívio é quando um amigo consegue ver as lágrimas que não derramamos.
Todos sabem como é ter medo da solidão.
Todos sabem como é querer assumir responsabilidade por tudo, sem admitir que não conseguimos dar conta, sem admitir que não somos onipotentes.
Todos sabem como é assumir a culpa por algo sem nem acreditar que a culpa seja de fato sua.
Todos sabem como é bom silêncio de vez em quando. E como é bom um abraço quando se quer silêncio.
Todos sabem como é não poder ser otimistas e honestos ao mesmo tempo.
Todos sabemos como é isso tudo, não sabemos? Sabemos, não sabemos? Não sabemos? Não...?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Zênite

Estava de saída, não  lembrava para onde. Um lugar qualquer. Qualquer lugar. Tanto fazia. Levava os pedaços de um coração rasgado e arremendado várias vezes seguidas, um punhado de esperança e uma garrafa de vinho, carmenère, mas nenhuma taça. Era só o que levava, mas era toda a bagagem de que necessitava. Não tinha horário para chegar - nem sabia aonde ia -, tampouco tinha relógio, mas estava apressada como nunca.
Agora fora de casa, ia aonde os pés descalços levavam: Um lugar em que o horizonte se estendesse livremente sem encobrir o céu, em que se pudesse deitar sobre a grama e cair no infinito do céu noturno. Ao encontro de mãos que percorressem os equadores das curvas do corpo - todos eles. Ao encontro da última face que ocuparia o Zênite.
(16/08/2011)

domingo, 14 de agosto de 2011

Pai

Quando eu era pequena, pedia ao meu pai: “Pai, me ensina tudo o que você sabe?”
Hoje rio ao lembrar, mas naquela idade me angustiava saber tão pouco, porque tinha certeza de que para ser uma boa pessoa, ter um emprego e uma vida confortável era preciso saber tudo o que havia para se saber. Eu devia ter uns... quatro, cinco anos? Por aí. E questões como minha qualidade de vida futura e se eu era de fato uma princesa já me tiravam o sono. [HAHA]
Fui crescendo, meus pais foram parando de me chamar de princesinha, e, em meio a muitas conversas sobre impedância, linguagem de computação e microscopia eletrônica durante jantares em família, acabei aprendendo várias das coisas que meu pai sabia. Com certeza, uma fração minúscula do total, mas era o suficiente para que eu me sentisse um passo à frente de meus colegas, o que era muito bobo da minha parte, diga-se de passagem.
Como percebi mais tarde, mais de um caminho leva ao sucesso, até mesmo porque sucesso não significa o mesmo para todos. Então talvez, apenas talvez, eu estivesse um passo à frente no meu caminho, mas os caminhos dos meus amigos não passavam por aquele passo, e isso não significava que eles estavam atrás de mim, de maneira alguma.
Foi assim que percebi que talvez, apenas talvez, mas muito provavelmente, boa parte daquele conhecimento que fazia parte do caminho do meu pai não seria de grande utilidade para mim. E desde então eu parei de conversar com meu pai sobre física, já que sou da área de biológicas. Lógico que NÃO! [HAHA] Só porque determinado conhecimento não nos parece aplicável no dia-a-dia, não significa que não possamos ter curiosidade. Além do mais, física era só um dos assuntos nas pautas dos jantares.
Desse mesmo modo, agora que estou divergindo do caminho inicial que a maioria percorre e buscando o meu próprio, vejo que meu pai finalmente desconhece algumas das coisas que estou aprendendo. Mas, seja qual for a motivação, ele nunca se mostrou desinteressado, muito pelo contrário. Conto com o apoio e o abrigo dele porque ele nunca deixou que nada me faltasse. Mais do que isso, conto com o amor e o carinho dele porque foi só com isso que ele me tratou. Agora nada menos justo que uma demonstração de gratidão, certo? Porque é isso o que estou querendo dizer com toda essa baboseira. Sou grata. Talvez não o suficiente, mas tão grata quanto já fui. E espero que ele saiba que sua filha o ama muito.

sábado, 30 de julho de 2011

Este blog não foi abandonado. Acontece que a autora está passando por um terrível e longo período de falta de criatividade.
Grata,         
Clara       

segunda-feira, 27 de junho de 2011

As Piores Declarações de Amor

  • "Você é perfeito/a."
-Então você não está olhando direito.
-Mas eu também gosto dos seus defeitos!
-Mentira. Até porque isso iria contra a definição de defeito.
1º Fato: Não existe pessoa alguma no mundo inteiro que lhe agrade em todos os aspectos.

  • "Vou amar você para sempre."
-Tá... Mas você vai amar o que eu sou hoje, então? Digo, espero que daqui a alguns anos eu tenha amadurecido um bocado, não serei o/a mesmo/a. E, como nem eu mesmo/a sei quem serei então, como você pode prometer amar o que não conhece? E então você continuaria a amar o que eu era, e não a pessoa em quem eu me tornaria... Ou seja, você amaria alguém que não existiria mais. É  isso mesmo?
-Não! Algo em você sempre permanecerá, certo? Todos  temos alguma essência que é imutável!
-Ahm... Tá. Só que você não tem como saber que parcela do que você chama de minha personalidade é a minha essência. Fora que você também pode - e provavelmente vai - mudar. Você pode mudar de gosto. E você não tem como saber do que vai gostar, se ainda vai gostar do que sou hoje ou se vai gostar do que serei no futuro. E também não tem como prometer que isso não vai acontecer.
2º Fato: Nós mudamos quando amadurecemos, bem como nossos amores.

  • "Eu preciso de você."
-Quer uma mão pra trocar a lâmpada?
-Não, quis dizer que não sei ser feliz sem sem você! *-*
-Cê tá de brinks. '-'
-Não... '-'
-Você está dizendo então que eu sou a única opção para você. É bem isso?
-É...
-Que, já que não há outra opção, não há uma escolha. É isso?
-Acho que é...
-Poxa, achava que você me amava. '-'
-E isso não quer dizer que eu te amo? o_o
-Não, né. Isso quer dizer que você só está comigo porque não tinha escolha.
3º Fato: Só se ama de verdade quando há escolha, quando se pode ser feliz apesar da ausência daquele ser amado, mas se escolhe ser feliz com ele e assim compartilhar e semear a felicidade.


Muitos vão olhar isso com desprezo e negar o que aqui foi dito. Em todo caso, deixo a declaração de amor mais sincera que posso fazer:
"Sabe, eu bem que poderia ser feliz sem você, mas não quero."

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Dia em que me Sepultei

O luto me emudeceu quando morri. Tomada por auto-piedade, estava paralisada frente a meu túmulo selado recentemente. Aquele túmulo que abrigava, obrigava, abrigava meus últimos vestígios de inspiração e paixão, tudo o que em mim era música, todo o coro de minha miríade de vozes falecidas, toda a poesia, todo impulso. Pulso. Aquele meio corpo não pulsava mais, inerte. Em vez disso, no que sobrava de mim do lado de  fora pulsava o frio, por dentro e em volta. A cada arrepio a melancolia diminuía, e sobrava, cada vez mais só, a certeza de que serenidade era apenas um eufemismo para monotonia e tédio.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Querido Cérebro

Querido Cérebro,

Preciso lhe dizer algumas coisas que venho guardando em meu íntimo há algum tempo.
Não aguento mais essa sua incompreensão. Você vive me mandando ser menos bobo, ponderar melhor os prós e contras antes de fazer qualquer coisa, ser mais discreto, menos efusivo... Será que você não entende que sou, por definição, passional? Agir com os sentimentos é minha condição de existência.
Você vive reclamando do que faço, diz que tudo se desequilibra por minha culpa, desde as mãos que tremem até a balança cujo ponteiro sobe. Mas quer saber de uma coisa (não responda)? É muito melhor viver assim do que no seu ritmo entediantemente certinho, como uma máquina. Será que você não entende as vontades movidas unicamente pela beleza e pelo prazer? Será que você não entende que eu sou o seu eu-lírico?
Então, se você puder, deixe-me ser. Deixe-me ser mais vezes. Acredite em mim: você não quer viver num mundo limitado a racionalidades superficiais.

Grato      
Coração

[Inspiração creditada ao meu amiguíssimo Yuri aka Yureco da titia.]

terça-feira, 17 de maio de 2011

Ode aos Capacetes

Oh, belo capacete
que me protege o cocuruto,
Preciso lhe arranjar
melhor rima que "eunuco"

Pois estes versos são feitos
da mais pura gratidão
por ter mantido a integridade
do meu loiro cabeção.

Capacetes de qualidade
de todas as cores
de todas as formas
de todos os sabores

Seus méritos se estendem
pelas pistas de corrida,
por edifícios em construção
e pela Gruta Colorida.

Nossos encéfalos protegem
com amor maternal;
Sem vocês viveríamos
em estado vegetal.

[Acredito que isso exprima minimamente a gratidão de todos os que visitaram a Gruta Colorida com lindos capacetes coloridos :B ]

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Maldita Compreensão

A gente praticamente nasce aprendendo a suprimir nossos acessos de raiva, mas chega uma hora em que precisamos explodir, e não basta xingar ao vento; precisamos de alguém que escute tudo quase que em silêncio, alguém que não nos diga que poderia ser pior, alguém que não nos diga que nos entende. Precisamos que nos digam um simples "Se fodeu".
Não há nada mais irritante do que um amigo compreensivo nessas horas, tentando nos forçar a dizer algo positivo, enquanto tudo o que queremos é fazer uso de todo o nosso arsenal de palavrões. E nem  mesmo menininhas delicadinhas são exceção. Pelo menos não depois dos quinze anos. Ainda menos quando se usam diminutivos em referência a elas.
Pior ainda quando os seres compreensivos são nossos pais. Pais compreensivos são um obstáculo na execução do sistema operacional instalado em todo filho, que nos impele a contrariar nossos genitores e a nos rebelarmos contra eles. Na verdade, tal extensão de compreensibilidade tem de ser muito parcial, uma vez que, se nossos pais nos compreendessem integralmente, eles estariam cientes de nossa necessidade de rebelião e fingiriam que somos incompreensíveis. Felizmente, a compreensão integral parental nunca foi detectada, o que nos permite supor que seja inexistente. A detecção da compreensão integral significaria que estaríamos cientes da farsa na incompreensibilidade e da total compreensão legítima, o que nos levaria a um estado paradoxal extremo, com risco de morte por implosão cerebral. Outro problema na compreensão parental, parcial ou hipoteticamente integral, é que nossos pais nunca vão dizer "Se fodeu" para a gente. Salvas algumas raras exceções, claro.
É aconselhável, portanto, que, em momentos de alta frustração, se busque o amigo mais filho da puta disponível e seja mantida distância de pessoas potencialmente compreensivas. Em caso de indisponibilidade de amigos filhos da puta, assegure-se ao menos de que a pessoa de quem você pretende se acercar permaneça calada.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Pombas

Lindos ratioativos, digo, radioativos ratos alados que infestam as ruas da minha querida e cancerígena cidade de São Paulo! Ah... Que fascinantes pragas urbanas - ou suburbanas - são!
Carregam em si, em seus corpinhos miúdos e leprosos, todo um ecossistema: Pulgas, piolhos, bactérias, fungos etc, com pelo menos um exemplar de toda e qualquer forma de vida microscópica... Um deleite para os biólogos!
Reconhecidas por sua capacidade ímpar de cagar sobre cabeças e pára-brisas, é de conhecimento geral que nascem com um fantástico aparelho de mira a laser de alta precisão em suas cloacas.
A espécie Columba superior, a mais  abundante nas grandes cidades, além de radioativa, apresenta o gene mutante W, similar em 96% das bases nitrogenadas ao gene-X dos X-Men. Facilmente encontrados na Avenida Paulista, os indivíduos da espécie geralmente apresentam um ou dois dedos a mais, nos pés ou na testa, e uma leve luminescência esverdeada oscilante.
Uma linhagem em especial, que inclui as espécies C. superior, C. nojenta e C. maligna, apresenta também comportamento zumbi. Algo que poucos sabem é que o gene zumbi do vírus desenvolvido pela Umbrella Corporation foi extraído justamente dessas pombas. Quando há um Zombie Walk, seu flash mob preferido, elas se fantasiam de humanos e saem às ruas numa tentativa de confraternização com humanos vestidos de pombas, mas freqüentemente são mal interpretadas como meros adolescentes mancos sujos de ketchup.
Algumas espécies mais raras do gênero Columba não apresentam nem gene W nem gene zumbi, mas ainda assim servem de inspiração para a tão efusiva interjeição "Pombas!" que dizemos na tentativa de evitar a dicção de algo menos polido, como "Porra!".
[Texto dedicado ao meu colega Caramelo aka Marcelo K., O Gorfador de Arcos-Íris com Pôneis e Potes de Ouro.]

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Torpor

Deixe-me entrar. Sinta meu aroma sedutoramente vazio e deixe-se levar por ele, sinta-o percorrer suas veias, venha através dele ao meu encontro.
Descanse sua cabeça em meu colo e deixe-me entrar. Eu anestesiarei seu coração ferido, pouparei-lhe da dor que lhe dilacerava o peito, inibirei seus sentidos para proteger-lhe da abrasiva verdade mundana e de seus sentimentos. É possível viver sem eles, você verá, não tenha medo.
Abrace-me e deixará de sentir a necessidade de saciar seus desejos, sua fome, sua sede. Abrace-me e descanse suas pernas, sua  voz, seu coração e sua alma; você não precisará mais perseguir qualquer objetivo, não precisará mais gritar em defesa de causa alguma, não desperdiçará mais tempo com seus sentimentos tolos, não se preocupará com as estúpidas noções de bem e mal.
Adormeça surdo enquanto com uma canção de ninar lhe embalo estaticamente.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Poder Mudar II

Eu sempre acreditei que as pessoas podiam mudar. Olhava para o que eu achava que havia sido e para o que achava que tinha me tornado e sentia algum orgulho por, supostamente, ter alcançado meu objetivo e ser o que desejava ser.
Então os anos passaram, os colegas passaram, as fases passaram e as críticas também, mas chega uma hora em que as pessoas, com razão, não têm mais tempo nem interesse de ouvir desculpas forjadas no mesmo molde falho, e os anos, os colegas e as fases que seguiram, inéditos, trouxeram críticas humilhantemente similares. E aí a coragem de olhar no espelho falhou.
Minha coragem falhou comigo como venho falhando com meus colegas, meus amigos, minha família e a sociedade. Mas minha coragem é minha responsabilidaede e sua falha só agrava as minhas pois delas faz parte.
Pedi perdão algumas vezes, mas queria mesmo era pedir perdão por saber que continuaria a cometer os mesmos erros. Acho que muitas dessas vezes só procurava por autoindulgências, afinal, e agora quero de novo ser perdoada e poder me perdoar por isso.
Eu sempre acreditei que as pessoas podiam mudar. Isso não significa que não acredite mais que elas possam, mas que nem sempre isso acontece ou que, quando acontece, nem sempre acontece como se planeja.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Leitor Anônimo

Querido leitor anônimo,

Sei que às vezes nem é preciso lhe convidar pessoalmente a ler um novo texto meu publicado, então espero que você encontre esse sem um convite pessoal. Ou talvez eu tenha em realidade mais esperança de que você não o encontre nunca. Nesse caso, a única explicação que posso dar para eu ainda decidir publicá-lo é que curto viver "perigosamente". O que não é exatamente verdade na maioria das vezes. Logo, concluo que a primeira hipótese é mais plausível.
Álcool uma vez tirou de você que havia sido um erro ter se afastado de mim. Não pude deixar de me perguntar se isso significava que você pretendia consertar o suposto erro ou se era apenas uma constatação a partir da qual você não pretendia fazer nada. Não foi preciso muito esforço também para perceber que suas palavras davam margem a duplas interpretações noutro aspecto: poderiam significar que você decidiu lucidamente ir embora ou que, bem como eu, tem tanto medo do abandono e da solidão, que, diferente de mim, preferiu deixar aqueles com quem se importa antes de se expor ao risco de ser deixado por eles ou antes de por eles desenvolver afeto. Ou talvez não se tratasse de nada disso e fosse apenas o álcool.
Você há de reconhecer ter me dito uma vez também que minha principal relação com as pessoas era a desconfiança, e eu reconheço não ter sido capaz de admitir essa verdade. Mas você um dia ainda perceberá que disse isso de modo a ser plenamente aplicável a si mesmo, tanto quanto ou mais do que a mim.
Por um lado, você quis alguém que entendesse seu medo; por outro, não soube lidar com o fato de haver mais uma pessoa receosa.
Não digo nada disso com qualquer intenção absurda. Quero apenas pedir o favor de que não me deixe lhe contar mais nada, a menos que você pretenda me contar algo seu também.

Grata,
Clara

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Lágrima

O ar esvaziou os pulmões ao final do mais profundo suspiro, enquanto uma lágrima solitária rolou dos olhos para os cílios e deles pelo rosto abaixo, até as lábios.
O doce sabor de melancolia se espalhou pela boca e invadiram-lhe o pensamento as lembranças, agora já vagas, daqueles momentos que, embora muito profundos, passaram rápidos como um albatroz, lançando impiedosamente uma sombra por sobre qualquer outro pensamento, aprisionando-a como uma escrava de suas memórias. Não se sentia triste, muito menos feliz. Agora percebia mais claramente do que nunca que em sua existência sempre haveria uma lacuna, e a decisão de preenchê-la ou não implicava o mais agoniante dos paradoxos. Qualquer idéia seria inútil, qualquer fantasia seria inviável. Qualquer vislumbre de consciência seria efêmero. Ela se deliciava nesse vício, e a dúvida de se de fato o queria passava menosprezada.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Poder Mudar

Você pode mudar. Você pode perceber que os outros podem mudar. Você pode ter a ilusão de que mudou. Você pode achar erroneamente que os outros querem mudar ou que já mudaram. Você até pode pedir que eles mudem, mas geralmente não deve. Você deve estar ciente de que eles podem mudar, mas não deve também esperar as mudanças que você deseja. Você pode se adaptar aos outros, mas você não os pode mudar.

[Peço desculpas aqui a todos que já quis ou ainda não consigo evitar querer mudar.]

segunda-feira, 21 de março de 2011

Pathos

Passível.
Passional.
Apaixonada.
Passadista.
Padecente.
Doente.
Dá na mesma.



"O Pathos da nobreza e da distância, como já disse, o duradouro, dominante sentimento global de uma elevada estirpe senhorial, em sua relação com uma estirpe baixa, com um 'sob' - eis a origem da oposição 'bom' e 'ruim' ".
(Nietzsche, GM I,2) Nietzsche - Genealogia da moral - Cia das letras (1998)

segunda-feira, 14 de março de 2011

DesPedidos

Eu quis que você me contasse cada detalhe de como foi seu dia. Mais do que isso, eu quis que você quisesse que eu soubesse como vai você. Mas isso eu nunca teria pedido.
Eu quis fazer de você meu diário e expor a você gradualmente todas as sombras do meu passado e cada segredo até então engenhosamente oculto. Mais do que isso, quis que você quisesse insaciavelmente descobrir minhas raízes. Mas isso eu nunca teria pedido.
Eu quis delegar ao seu cuidado tudo o que acreditava ser. Mais do que isso, eu quis que você quisesse que eu confiasse em você. Mas isso eu nunca teria pedido.
Eu queria esquecer você de vez. Mais do que isso, queria que essa simples idéia o horrorizasse e que você quisesse fazer de tudo para que nós não nos afastássemos. Queria pelo menos saber o que eu poderia ter feito ou deixado de fazer para que isso tivesse alguma possibilidade de acontecer. Mas nada disso eu pediria. Não poderia pedir. Não faria sentido pedir.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Oiseau Rebelle

Parece inevitável procurar em cada gesto seu significados subjacentes e, não os encontrando, anexar automaticamente os que vieram da minha mais egocêntrica imaginação.
Mesmo tendo - ou crendo ter - consciência disso, continuo estúpida e ridiculamente lutando contra o dia em que seu toque ou sua voz não me causarão mais arrepios.
E, se, como a canção diz, o amor é uma ave rebelde e indomável, me surpreende eu acreditar que no momento queira ironicamente apenas espantá-la.

quarta-feira, 9 de março de 2011

E Era uma Vez o Método Socrático...

Em uma aula introdutória de filosofia aos graduandos de primeiro ano do curso de ciências biológicas da Universidade de São Paulo, o professor conduzia um diálogo com a finalidade de evidenciar a importância do pensamento filosófico para todos, em especial biólogos. Tratava-se da diferenciação entre humanos e demais animais e das questões morais adjacentes quando o professor escolheu aleatoriamente uma aluna [Oi ;) ] a quem pretendia dirigir algumas perguntinhas socráticas:
Professor: Você tem um cachorrinho, um gatinho, algum animal de estimação?
Aluna: Sim, eu tenho uma cadela.
Professor: E você não acha horrível comer cerne de cachorrinhos, mas normal comer a carne do boizinho?
Aluna: Eu sou vegetariana.
Professor: Então se você for a um churrasco e tiverem espetinhos de boizinhos e de cachorrinhos você permanecerá indiferente?
Aluna: Sim.
Professor: Você está dizendo que ver um espetinho de Sally do lado de um espetinho de boi torrando numa churrasqueira seria normal pra você?
Aluna: Não, pela minha cachorra eu cultivei afeto. É como ver na televisão a notícia de um homicídio de um desconhecido e do seu irmão. Um homicídio qualquer pode ser chocante, mas você não vai ao velório, a emoção geralmente não passa do choque. Mas, se for seu irmão, a história é diferente.
Professor: Ok, não foi uma boa pegar você de exemplo. Alguém aqui não é vegetariano?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Coisa Mais Bem Distribuída no Mundo

Ética é o conjunto de normas que regem a boa convivência numa sociedade. Havendo diversos tipos de sociedades, em tempos e espaços diferentes, o conjunto de valores éticos também varia ao longo do tempo e espaço. Ética e cultura se permeiam, e por isso muitas vezes é difícil isolar cada aspecto, de uma, de outra ou de ambas, para análises minunciosas, sendo mais preciso, portanto, a avaliação do conjunto.
O Brasil, um bom exemplo, dado o tamanho de seu território e os diferentes processos que marcaram sua formação cultural em cada região, não apresenta uma sociedade única, coesa, mas uma fragmentada em pequenos grupos sociais, cada um com suas culturas particulares e peculiaridades, apesar de formarem todos uma só nação.
"Bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo." Ninguém acha que precisa de um melhor ou pede por mais. Sendo assim, é um despropósito tomar por universal a opinião de  um brasileiro, cuja formação foi limitada pelo tempo e pelo espaço nos valores éticos que não se aplicam por todo o país, sobre a posição dos demais brasileiros frente aos princípios e culturas da nação que constroem.
Isso, porém, não quer dizer que seja correto isentar-se das responsabilidades de avaliar a retidão da nação e de trabalhar para seu progresso, mas, sim, que é preciso ter humildade e reconhecer que nenhuma opinião ou valor é universal.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Turbulência Oculta


Já me disseram que sou fria. Na verdade, me disseram que meus olhos são frios. Na verdade mesmo, que meus olhos são frios e, ao mesmo tempo, bons. Acho curiosos os fatos de isso ter ficado na minha cabeça por tanto tempo e de eu sempre dar tanta importância à visão que os outros têm de mim. Acontece que, até ontem, acreditava nunca ser capaz de avaliar meu próprio caráter com a mesma precisão de quem me observa por fora, sem saber meus poucos segredos, analisando puramente as ações.
Curioso foi meu receio entre acreditar ou não nessa análise em particular. Mesmo quando não gostamos do que ouvimos, se formos sinceros conosco, somos capazes de discernir aquilo em que acreditar daquilo a ser desacreditado. Dessa vez não fui capaz.
Dessa vez percebi que mal sei quem sou e que, do pouco que acredito de ser, não sei o quanto sou por minha criação e o quanto sou por minha culpa e meu mérito. Percebi que, embora até então eu supusesse que esse fosse o normal, vivo numa eterna supressão do que julgo ser meu lado ruim, enquanto na verdade mesmo estou suprimindo junto o melhor de mim.
E a batalha de exorcisar meus próprios demônios, sozinha graças à vergonha de pedir ajuda, é muito dolorosa. É difícil não me tornar fugitiva de mim mesma, sem refúgio, ainda mais quando já fujo de tantas outras coisas, sendo a maior delas, a mais gritante, a mais inegável verdade.
E a máscara de calma, inteligência e sabedoria que ainda visto vai ficando cada vez mais fina, frágil. Dessa vez não quero reconstruí-la. Quero ver se há algo que possa reconhecer no que sobrou do rosto sob ela.

Tim Michin - Rock n' Roll Nerd

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Momento de Gratidão

Não é maravilhoso existir? Não é extraordinário ser uma mente pensante [o que não é redundante, se você pensar bem] em meio ao caos, à força e à fragilidade da vida? Ter nascido, dentre todas as espécies, humano.
Não é incrível a independência funcional dos organismos, a mobilidade do corpo, a transcendência da mente?
Não é bom ter um prato de comida quando dá fome, um teto sobre a cabeça quando chove, ter agasalho quando faz frio?
Não é um alívio ter onde e em quem se abrigar quando se sente vulnerável, quem não nos deixe conhecer a solidão mesmo quando pedimos que nos privem de companhia? Não é comovente ter quem amar?
Não é maravilhoso existir e poder agradecer por não sermos os únicos, sem deixarmos de sermos únicos em nossa individualidade?

domingo, 2 de janeiro de 2011

Novo Começo

[Tá um pouco atrasado pra um post de Ano Novo, mas vamos lá...]
Uma vez eu ouvi dizer que o dia do ano em que mais pessoas começam uma dieta é o 1º de janeiro. Acho engraçado. Também acho engraçado que as pessoas vistam cores específicas na noite de passagem de ano de acordo com o que desejam para o ano seguinte, geralmente branco, esperando assim atrair paz. Isso, porém, não significa que eu mesma seja uma exclusão ao caso do branco, nem ao caso da dieta. [Riam]
Acontece que, por algum motivo, nós, pessoas humanas, gostamos da idéia do começo, como se isso em especial nos desse a oportunidade de deixarmos de ser quem vínhamos sendo, quase como se nos eximíssemos da responsabilidade por tudo o que fizemos até a véspera.
Vivemos fazendo isso de procurar um novo começo: em inícios de anos letivos, aniversários, depois do carnaval [Afinal, para o brasileiro o ano só começa depois do carnaval.] ou mesmo na Páscoa, para os cristãos.
É importante que percebamos que apenas o que difere esses dias dos tantos outros dias do ano é o significado que atribuímos a eles, seja por religião ou qualquer tipo de conveniência. Isso quer dizer que qualquer dia do ano é uma oportunidade de mudarmos o modo como agimos, pensamos e sentimos, e assim mudarmos quem somos, não que algo disso seja fácil, e lembrando aqui que tudo o que cultivamos em nosso ímtimo se multiplica.
Sendo assim, desejo a você um ano cheio de paz, prosperidade, esperança, luz e, principalmente, amor. Não porque estamos em algum início, mas porque essas coisas por si só são boas. Principalmente o amor; as outras são consequência.